5 de outubro de 2015

Relatório inicial reforça indissolubilidade, pede acompanhamento dos casais, mas esquece África

© Foto Lusa
Os trabalhos do Sínodo Ordinário sobre a família iniciaram-se verdadeiramente hoje, com a leitura do relatório inicial, que faz um ponto de situação sobre as opiniões e reflexões levadas a cabo no anterior sínodo, juntamente com os contributos que, durante ste ano, foram chegando ao Vaticano em resposta à Lineamenta que foi enviada para todos os fiéis e que resultou na construção da Instrumentum Laboris, documento que irá orientar os trabalhos sinodais.

A leitura do documento na aula sinodal ficou a cargo do Cardeal Péter Erdö, o relator geral do Sínodo. Dividido em três partes, o relatório traz um retrato do que foi a escuta dos fiéis sobre a família, o discernimento da vocação familiar e a missão da família hoje. Começando desde logo por afirmar que «o movimento migratório está a desintegrar as famílias ou é uma dificuldade para que venha a ser formada. Em muitas partes do mundo os jovens pais deixam os seus filhos em casa e procuram trabalho no estrangeiro», refere o relatório.

Defendendo que a família «oferece uma possibilidade de desenvolvimento humano que é insubstituível», os relatos dos fiéis falam de uma realidade onde o casamento é cada vez menor porque as pessoas se ligam cada vez menos aos compromissos. Neste sentido, é preciso anunciar «um verdadeiro caminho para a felicidade», como Paulo o fazia, já que o matrimónio é «um objetivo da existência humana». Neste sentido, «as famílias cristãs são chamadas a testemunhar o Evangelho com a sua vida de acordo com o próprio Evangelho, através de um anúncio missionário. Os cônjuges reforçam a sua fé e passam-na aos seus filhos, mas também as crianças e outros membros da família são chamados a compartilhar sua fé».

É neste sentido que o relatório reforça o valor da indissolubilidade do matrimónio, um dos aspetos que mais irá ser debatido neste sínodo, admitindo a «exigência» desta condição. «Os Evangelhos e São Paulo também confirmam que o repúdio da sua esposa, praticado em primeiro lugar entre o povo de Israel, não pode tornar possível um novo casamento para qualquer das partes. Esta afirmação é tão incomum e tão exigente manteve-se presente ao longo dos séculos na tradição disciplinar da Igreja, constituindo um elemento ainda a tal ponto que, entre os povos convertidos que se converteram ao Cristianismo, a monogamia e a indissolubilidade do casamento tornou-se uma matéria disciplinar».

Sobre este tema, o relatório fala da necessidade de criar uma «comunidade de amigos verdadeiros», que podem surgir dos grupos de casais que se juntam para acompanhar os casais recém-casados. «Pertencer a um grupo dessa natureza, pode amadurecer a fé do casal, especialmente se essas comunidades de famílias se reunirem regularmente, lerem a Sagrada Escritura, orarem juntos e fizerem crescer a sua fé à luz do ensinamento da Igreja, especialmente através do Catecismo da Igreja Católica».

Poder fazer este caminho de acompanhamento é um «desafio» para bispos e sacerdotes e podem exigir «novas formas de catequese e testemunho, em plena fidelidade à verdade revelada por Cristo», mesmo que isso possa implicar, segundo o relatório, um afastamento de algumas pessoas. «Se falamos do fundo do nosso coração, se não houvermos desistido de prestar contas a nós mesmos em primeiro lugar de nossa fé, então podemos falar aos outros com convicção e coragem. Se dizemos francamente aos outros aquilo em que acreditamos, não devemos ter medo de não sermos compreendidos, porque também somos filhos de nosso tempo. Assim, embora nem todos aceitem a proposta, o anúncio vai ser compreensível para todos», pode ler-se.

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Escutar todas as situações, mas sem colocar em causa indissolubilidade do matrimónio
Sobre o problema dos casais divorciados e recasados, o relatório pede a criação de «centros de escuta», com grupos de pessoas que possam ajudar, por um lado, a tentar a reconciliação e o perdão de pessoas divorciadas que ainda não iniciaram uma nova relação, e por outro possam acompanhar as crianças que são vítimas dessas situações. Estes centro serviriam também para orientar alguns no sentido de compreender o novo processo de nulidade matrimonial criado pelo Papa Francisco há dias.

Admitindo que a questão do acesso à comunhão e à confissão «é um assunto que requer profunda reflexão», o relatório reafirma que estas questões não são proibições, mas sim «exigência intrínsecas no contexto do testemunho da Igreja». No entanto, mesmo com essas limitações, o relatório refere que os divorciados recasados «são orientados no sentido de aumentar a sua integração na vida da comunidade cristã, tendo em conta a diversidade das situações iniciais».

O relatório, que, conforme foi referido na conferência de imprensa que se seguiu à leitura do relatório, é «um ponto de partida para a reflexão e não o final», afirma ainda que a opção ortodoxa, que permite uma segunda união, «não pode ser avaliada adequadamente usando apenas a estrutura conceptual desenvolvida no Ocidente no segundo milénio. Deve-se ter em mente a grande diferença sobre os tribunais institucionais da Igreja, bem como o respeito especial para com o direito dos Estados, que por vezes pode tornar-se crítica, se as leis estaduais são separadas da verdade do matrimónio, de acordo com o plano do Criador», numa referência clara ao facto dos estados permitirem várias uniões válidas civilmente.

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Finalmente, o relatório volta a falar sobre a abertura à vida e aos métodos de planeamento familiar, assumindo-se mais uma vez de forma paradoxalmente estranha. Se, por um lado, afirma que a vida em plenitude leva a «sugerir um ensino adequado sobre os métodos naturais para a procriação responsável», também por outro lado aconselha a que, conforma explica a encíclica Humanae Vitae, se «respeite a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade». Este respeito, por enquanto, não chega para permitir a utilização de métodos artificiais, o que, de alguma forma, leva a questionar se este respeito pela escolha existe verdadeiramente.

Uma grande surpresa foi a ausência de referências no relatório a questões mais próximas da igreja africana, como a questão da poligamia. Questionados sobre isso, os prelados presentes na conferência de imprensa afirmaram que essa foi «uma escolha vossa [dos cristãos]». O cardeal Erdö afirmou que os bispos esperam com grande expetativa «o contributo dos bispos africanos» que já no Sínodo passado deram um bom contributo, sem no entanto explicar o porquê da omissão destes assuntos do relatório inicial.

É sobre este relatório que se irão desenrolar os trabalhos na próxima semana, com intervenções dos vários prelados presentes na aula sinodal, entre os quais D. Manuel Clemente, que afirmou, em entrevista à Família Cristã, que iria pedir a «reorganização da igreja em chave familiar» na sua intervenção.

Pode acompanhar o trabalho do Sínodo no blogue que a Família Cristã criou em http://sinododafamilia.blogspot.pt

Texto: Ricardo Perna

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