6 de outubro de 2015

Comunhão aos divorciados é questão de doutrina ou disciplina?


A conferência de imprensa desta manhã, no Vaticano, fez um resumo dos trabalhos realizados até ao momento e deixou algumas pistas sobre o que serão os trabalhos dos próximos tempos. A começar, a surpresa de sabermos que o Papa interveio esta manhã no sentido de «orientar os trabalhos». Francisco disse aos mais de 400 participantes que «a doutrina católica sobre o Matrimónio não foi colocada em questão» na assembleia extraordinária de 2014, referiu o padre Federico Lombardi, em conferência de imprensa.

O Papa, que tinha aberto a primeira reunião geral, esta segunda-feira, com um discurso, voltou a falar esta manhã a pedir que os membros da 14ª assembleia evitem deixar-se «condicionar» ou «reduzir o horizonte de trabalho neste Sínodo», como se o único problema «fosse o da Comunhão aos divorciados, recasados ou não». Um sinal claro de que o debate estaria a centralizar-se apenas nesta questão, o que levou o Papa a intervir.

Questionado pelos jornalistas sobre se existiu uma intenção de forçar esta discussão por parte dos oradores, o arcebispo de Ontário, no Canadá, D. Paul-André Durocher, explicou que o problema estava na metodologia utilizada neste sínodo, que era nova para todos. «Não estávamos habituados a ter de trabalhar com base num documento, na Instrumentum Laboris, e isso provocou algumas dúvidas», disse o arcebispo, mas um documento idêntico sempre serviu de base a todos os Sínodos anteriores.

Nas duas congregações gerais, foram ouvidos 72 oradores, provenientes de todos os continentes, e foram vários os temas abordados, incluindo este da comunhão aos recasados, como já tínhamos dito. Apesar de não fazer parte do resumo dado pelos porta-vozes do Vaticano, os jornalistas questionaram os bispos presentes na conferência de imprensa. D. Claudio Maria Celli afirmou que a questão não estava fechada com o relatório e a intervenção do Cardeal Erdö, como não estava nenhuma outra questão. «Se a discussão sinodal sobre divorciados e recasados acabasse ontem com a apresentação do Cardeal Erdö, então o que estávamos aqui a fazer todo este tempo?», questionou em tom de brincadeira.

D. Paul-André Durocher concorda que «a apresentação do Cardeal Erdö foi uma parte do caminho», e foi dizendo que esta é uma questão que não está fechada. Há uma «diferença de opiniões» sobre se a Comunhão aos divorciados recasados é uma questão de «doutrina» ou de «disciplina», e essa reflexão «poderá ser feita agora nas reuniões dos círculos menores», disse aos jornalistas. «Vamos ser honestos: é uma questão de doutrina ou disciplina? Acho que é uma das questões que serão debatidas nos círculos menores, mais para a frente. Se quiser procurar o que é doutrina, compra o volume grande de Denzinger e vê o que está lá escrito…», disse, adiantando também que este não é o único assunto que irá ser tratado no Sínodo. «Não quero parecer que estou a levar este tema com leveza, mas o Papa disse-nos que este é apenas um assunto entre muitos», avisou o arcebispo do Canadá.

Absolvição geral por causa do Ano da Misericórdia? 
As intervenções destes dois dias ficaram também marcadas por outros assuntos. Foram muitos os que referiram a «necessidade de uma preparação para o matrimónio mais longa e que vá para além da celebração», disse o Pe. Thomas Rosica. Para além disso, referiu o Pe. Lombardi, alguns oradores falaram na «necessidade de formação do sacerdote para poder acompanhar os casais na preparação para o matrimónio», pois é preciso «mudar a linguagem».

A proposta mais surpreendente terá sido a de um orador, que sugeriu que fosse aplicado, neste Ano da Misericórdia, uma absolvição geral a todos os cristãos, como forma de «entusiasmar as pessoas a voltarem para casa, para a Igreja», disse o sacerdote, que informou que era apenas uma proposta levantada para reflexão, nada mais. O Pe. Thomas Rosica disse ainda que alguns oradores de língua inglesa tinham referido a necessidade de a Igreja ser como um GPS para os cristãos. «Quando a estrada falha, temos de descobrir novos caminhos para as pessoas, como um GPS», foi uma das ideias lançadas.

Sobre as pessoas com inclinação homossexual, «que são nosso sangue», os oradores referiram a necessidade de «não ter pena deles, mas antes reconhecê-los pelo que eles são: nossos irmãos». Falando da emancipação das mulheres, alguns dos oradores levantaram a ideia de que, apesar das coisas boas que a emancipação trouxe, as mulheres não se podiam esquecer «das responsabilidades delas perante a família, não esquecendo a maternidade», sendo que esses oradores referiram também a necessidade de «erradicar» o domínio que o homem exerce sobre as mulheres em alguns países.

Os participantes nas congregações de língua espanhola referiram a necessidade de encontrar «ferramentas» para auxiliar os casais, antes de se preocuparem com a questão da indissolubilidade. «Não podemos falar de indissolubilidade do matrimónio se não houver ferramentas para apoiar os casais na sua caminhada», disseram os bispos na sua intervenção.

Foi ainda referido, com maior ênfase pelos bispos africanos, o problema da poligamia, que afeta muitas comunidades em África, com muitas pessoas que se querem converter ao Cristianismo impedidas de o fazer pois têm muitas mulheres a seu cargo. A situação é complicada, pois se essas mulheres forem rejeitadas pelo homem, ficarão sozinhas sem qualquer possibilidade de se juntarem a mais alguém, pois essas sociedades discriminam essas pessoas.

Finalmente, um orador pediu ao Sínodo que se pronunciasse claramente sobre o que fazer com as pessoas que aparecem para se batizar, mas já são casadas pelo civil. A Igreja obriga ao casamento pela Igreja, o que levanta dificuldades, e o sínodo foi convidado a refletir sobre o tema e a encontrar caminhos de ajuda para essas situações.

Pode continuar a acompanhar todas as incidências do Sínodo no blogue especial que a Família Cristã criou para o efeito em http://www.sinododafamilia.blogspot.pt

Texto: Ricardo Perna
Fotos: l'Osservatore Romano

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